segunda-feira, 21 de julho de 2008

Angelina Jolie

Recebi esse texto por email e achei muito interessante. Desculpem estar colando texto, mas esses dias está complicado por aqui. Boa semana a todos!

Folha de São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 2008
JOÃO PEREIRA COUTINHO

LEITORES, ESCREVO-VOS de uma cama. Gripe sazonal. Nada de grave, espero. E então contemplo, com tédio e leve dor corporal, as imagens televisivas do momento. Angelina Jolie é mãe de gêmeos. E eu, por estranha associação de idéias, lembro a princesa Diana. Estive em Londres quando Diana morreu em acidente de automóvel. Recordo o filme: acordei cedo nessa manhã; tomei o café em silêncio; saí para a rua e uma multidão de gente chorava sem explicação racional.

Havia flores, muitas flores, em esquinas e bancos de jardim. Fotos de Diana nas janelas das lojas, das casas, dos carros. E velas ardendo nas calçadas. Alguns adolescentes dormitavam nas soleiras das portas, e muitos soluçavam como as crianças órfãs nos contos de Dickens. E às portas do Palácio de Buckingham, milhares de súditos, indignados com a indiferença da família real ante a tragédia, conspiravam entre si para derrubar a monarquia.
Era um regresso a 1688, pensei, e o novo tirano não era mais James 2º, mas Elizabeth 2ª.
E os jornais? Os jornais falavam na força da comoção nacional. Não duvido. Mas prefiro pensar em tudo aquilo como a força da comoção religiosa. Uso o termo no sentido preciso. A religião não é apenas um conjunto de dogmas e ritos destinados a celebrar a transcendência; a religião é, como diria Durkheim, um fato social. Ela permite "ligar" uma comunidade de estranhos num propósito comum.
Diana foi esse propósito. A comunidade cristã pode estar em declínio nas nossas sociedades; o número de fiéis diminui drasticamente no Ocidente "rico" e "pós-moderno"; e, para sermos honestos, quem observa as recomendações do Vaticano em matéria sexual?
Mas o recuo da comunidade cristã, com seus dogmas e ritos, não aboliu a necessidade de crença: a necessidade que temos de acreditar em algo que é maior do que nós e que redime a nossa precária condição.
E se as pessoas já não adoram figuras de madeira ou pedra, como em Fátima ou Lourdes, são os grandes mitos pop, na música ou no cinema, que servem a esse propósito: eles congregam "romarias", inspiram momentos de "transcendência", permitem que o "crente", convertido em "fã", possa assim encontrar um caminho e um exemplo.
Os santos morreram. Mas ninguém sobrevive sem o seu.
Para os ingleses, a santa era Diana. Para o mundo de hoje, a santa é Angelina Jolie. Mas quem é Angelina Jolie?
Atriz, sim. Atriz mediana, sem dúvida. Mas Angelina, com inteligência imaculada, entendeu o ar do seu tempo e agiu em conformidade: antigamente, os diamantes eram os melhores amigos das mulheres. Mas hoje, num mundo democratizado, em que qualquer milionário anônimo pode entrar em loja da Quinta Avenida e torrar uma pequena fortuna em joalheria fina, a verdadeira marca distintiva não é mais material; é espiritual.
Um diamante é fácil. Um órfão cambojano não é fácil, nem está à venda na Quinta Avenida: exige esforço, disponibilidade e, finalmente, o triunfo pio que a estrela de Hollywood gosta de exibir perante as lentes fotográficas. O caçador e o seu troféu.
Angelina não tem jóias para mostrar. Mas tem um filho cambojano, um vietnamita e uma etíope, além de uma biológica. E, agora, o Altíssimo concedeu a santa Angelina não mais um filho, e sim dois: um par de gêmeos nascidos em hospital francês, em clima de sacralidade absoluta. Cá fora, hordas de jornalistas e alienados procuravam uma imagem do milagre. Ver, sentir e eventualmente tocar os ungidos sempre consolou os crentes.
O milagre será mostrado, sim, mas por meio de revista americana que já conseguiu os direitos da "revelação" por US$ 11 milhões. A cifra será distribuída por obras de caridade.
E se os leitores ficam impressionados com os contornos religiosos do fenômeno, aviso que estamos apenas no início. Com o fim das religiões tradicionais, as celebridades pop ocuparão o lugar dos velhos santos, espalhando a palavra redentora e, quem sabe, curando os cegos, os loucos e os paralíticos.
A palavra tem sido espalhada por atores de Hollywood que, "embaixadores" das mais diversas instituições, lutam pela salvação do Tibete (são Richard Gere), do Sudão (são George Clooney), da Somália (santa Mia Farrow) e até do planeta inteiro (são Al Gore).
Mas a consagração só será absoluta quando o santo usar as próprias mãos (e, no caso de Angelina Jolie, os próprios lábios) para curar milagrosamente os enfermos deste mundo. Eu, que vos escrevo de uma cama, não me importava em ser o primeiro.

2 comentários:

Priscilla Paggiaro disse...

OI Ge! Lendo este artigo lembrei de uma palestra do padre Fábio de Melo, muito especial, que fala da necessidade dos santos de "calça jeans", exemplos que por uma virtude apenas devem figurar nos dias de hoje entre os altares das igrejas. O João Pereira tem toda a razão ao fazer esta análise com o caso da Angelina. Não sou fã da atriz, mas acho que precisamos de exemplos como este mesmo, a dedicação a riqueza espiritual. Ótima transcrição e uma ótima causa para reflexão de todos nós sempre! Grande beijo!

Geova Costa disse...

Eu não entendi bem assim o questionamento do autor. Pra mim ele fala justamente do exagero e da forma como os novos ricos encontraram de se sobressair. Tem pessoas que, apesar de ter muito pouco, compartilham e multiplicam o pouco que tem sem precisar de flash para isso.
Eu acho válido o que ela faz, todo bem é bem-vindo, errada a mídia que exagera no endeusamento da pessoa do ato.